17:18 pm. Lago. Pôr do sol. Fim de tarde. Eu estou tão bem, mas de repente senti um vazio e não é por causa de alguém. Foi um estopim. Um aconteceu. Um agora.
O ser humano é um animal vazio e atormentado por excelência, beiramos ao desprezível. Tentamos preencher nossos vazios, com sexo, amigos, conhaque, cheques pré-datados em lojas de shopping, uma viagem, algum livro, um trabalho, uma faculdade, uma conversa qualquer, um momento com a família, entre outros costumes.
Não, não era um vazio assim, imediato, que você preenche com coisas. Isso eu sentia, disso eu sabia. Sabia porque sinto muitas coisas durante um dia, alegria, raiva, tristeza, deboche, tédio dependendo da situação, mal humor só de olhar pra cara de alguém que não gostaria, tesão dependendo com quem estou ou do que estou fazendo, e não era igual.
Quem não se permite sentir não se perde, tampouco se encontra no caminho. É um negócio parado, feito este lago borocochó e bonito que agora vejo. A única vez que esse sentimento aconteceu foi quando minha avó materna faleceu. Por isso achei estranho...
Eu era criança, tinha uns cinco aninhos. Foi no meio de uma tarde, mas tive medo de escuro, forte, coisa de criança. Quando fecharam o caixão ... , ..., ... eu não consegui olhar as memórias de uma breve infância indo pra baixo de uma cova. “Então é assim que acontece com todo mundo? Uma hora a gente fala muito e depois resolve ficar quieto numa caixa de madeira pra sempre? E as pessoas ficam olhando ... porquê?”. Eu em minha inocência, tentando entender o que era um velório, perguntei a um parente qualquer.
Pode ser preconceito, mas boa parte dos parentes nunca tem uma resposta convincente para os assuntos que locomovem o cotidiano. E você faz aquele sorriso amarelo e social pra disfarçar as piores idiotices que eles dizem, tipo a última moda do cabelo espichado de um certo jogador, o que ele fez, o que deixou de fazer, o último jogo, o que ele disse, super incrível...
O certo parente olhou pra minha cara com dó e não sabia o que me dizer. Sumi do lado de todos. Eu corri e corri muito dentro do cemitério, desesperada. Fiquei dando voltas, assustada, até encontrar o estacionamento. Achava que aquele escuro iria me pegar e ninguém ia me proteger ali, nem meus pais, nem irmãos, eu ia ter que me defender sozinha, quando este chegasse. Óbvio que depois minha família , já abalada, ficou louca comigo.
Foi ali que descobri o que são verdadeiros medos humanos. Estranho sentir isso novamente após anos. Estranho lembrar daquele acontecimento. Algo dentro de mim morreu e eu não sei o que é...
Minha avó sempre dizia em palavras, em histórias, e no seu olhar que a gente não pode fugir das escolhas e fatalidades que acontecem na vida. Foi uma mulher incrível e ela não sabia disso. Fumava na década de 30, coisa que hoje é meio deselegante, ruim, mas pra uma mulher naquela época era um escândalo, uma rebeldia, depois de anos ela parou. Era vaidosa, adorava batom, assim como eu.
Se apaixonou por um negão, meu avô, e enfrentou a família pra casar com ele, num momento em que o preconceito era muito mais explicito. Perdeu dois filhos que morreram jovens, meus únicos tios, só restou minha mãe. Ficou doente, perdeu uma perna com gangrena. É, ela enfrentava a barra, mesmo depois que ficou numa cadeira de rodas.
As pessoas que a conheceram dizem que minha personalidade meio forte veio dela. E realmente, confesso que tenho a personalidade meio avessa nos ambientes que transito. Percebi que com o tempo eu tenho tratado muitas coisas que simplesmente não me interessam com indiferença. Deixado todo aquele blá blá blá de hijos de puta que não serve pra nada, comentários e pessoas que não me servem para trás.
“Você deixou de ser uma jovem garota, e se tornou uma jovem mulher.” assim sussurrou a Nona no meu ouvido, no final da tarde. “Eu acho que você está certa...”, respondi a ela em pensamento, com uma leve saudade.
E naquele fim de tarde, já caindo a chuva, ela me mostrou que esse vazio não é estranho. É temer o escuro quando ele vem, é pensar no que fazer com as sombras humanas que temos dentro de nós mesmos e não podemos escapar.
K.C