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Das coisas que não sei


Se existe uma coisa chata, irritante mesmo, é alguém tentar mostrar pra mim como eu deveria viver, feito manual para um animal domesticado. Dizendo pra não rir da piada x, não tomar atitude y, não pensar z. Diz qualquer bobagem, dá conselhos velhos, publica qualquer livro cheio de saberes certeiros para ser feliz, coisas do tipo e sempre pensando que está certo, que sabe do outro.

foto: Alex Winter
Todo babaca parece ter convicção de tudo. Ele sempre vai ter uma opinião crucial pra qualquer assunto, inclusive da sua vida, mesmo desconhecendo como ela é. Isso quando não piora a situação usando algumas frases batidas. 

Sei lá, daqui a pouco vai ter gente falando quais são as posições sexuais mais corretas que se deve fazer, cheio de certezas e outros aderirão ao discurso. 


Estranha a cabeça de gente que pensa saber certamente sobre tudo. Acho que existem coisas tão incertas, que certeza é uma palavra que caberia melhor para o que não se sabe...

Eu, até hoje, não sei o que é coleguismo, na verdade nem entendo esse termo direito. Ou sou amiga ou não sou, uma hora amizades  acabam, a gente conserva algumas, vem outras e tal que, mas não sei o que é ser amiga pela metade. Não sei o que são os números, os mil teoremas, ausência de culpa, de exagero, amores tranquilos,  anular meus desejos por alguém, tampouco desejar algo ponderadamente.

Não sei o que é auto-ajuda,  estar sempre feliz ou sempre triste, sorrir com quem eu não gosto... Não sei me aproximar das coisas sem gestos, simples, belos, quaisquer que sejam, sem acreditar em um trabalho. Não sei amar do mesmo jeito e nem terminar relacionamentos do mesmo jeito. Não sei escrever me traindo. Não sei o que é gostar não gostando, ouvir música baixo, ver do mesmo jeito.

Ainda não sei totalmente como lidar com nossos espelhos, com o  amanhã, com os futuros mesquinhos, tampouco  onde colocar ponto final na crônica que você acabou de ler 


K.C


Confira entrevista para o Portal Interrogação aqui




Análise Combinatória



John Lennon e Paul McCartney

Simone Beauvoir e Paul Sartre

Johnny Deep e Tim Burton

Unhas e esmaltes vermelhos

Boemia e Baixa Augusta

Espelho e máscara

Pipoca e cinema

Café e leite

Arroz e feijão

Lábios e batom vermelho   

Poder e repressão


Covardia e bunda-mole

Redes sociais e fofoqueiros

Gente brega e pochete

Gente lesa e gente lesa

Piriguete e sandália de plástico

Amor e ódio

Beijo e língua

Sexo e sacanagem

Romeu e Julieta

Jack e Rose

 Capitu e Bentinho



 Palco e luzes

Rock and roll e barulho

Música e movimento

Leitura e imaginação

                                                    Paz e silêncio







Combinações sempre tem uma história, um quê, que ruim ou bom, calha a dar certo. Algumas delas são contrárias, outras são bonitas, inesquecíveis, outras indesejáveis, horríveis e outras que simplesmente se merecem.  



A gente nunca para pra pensar porque combinações existem, talvez porque  elas devem existir pra isso: 


Para que não se deixe de caminhar, para que se crie uma própria elegância ou se assuma em uma breguisse de vez. Para que o ridículo exista. Para que realidades se recriem. Para que o caos alerte cuidado e o desejo permaneça entre as belas coisas.



K.C

Fim De Tarde





17:18 pm. Lago. Pôr do sol. Fim de tarde. Eu estou tão bem, mas de repente senti um vazio  e não é por causa de alguém. Foi um estopim. Um aconteceu. Um agora.

O ser humano é um animal vazio e atormentado por excelência, beiramos ao desprezível. Tentamos preencher nossos vazios, com sexo, amigos, conhaque, cheques pré-datados em lojas de shopping, uma viagem, algum livro, um trabalho, uma faculdade, uma conversa qualquer, um momento com a família, entre outros costumes.


Não, não era um vazio assim, imediato, que você preenche com coisas. Isso eu sentia, disso eu sabia. Sabia porque sinto muitas coisas durante um dia, alegria, raiva, tristeza, deboche, tédio dependendo da situação, mal humor só de olhar pra cara de alguém que não gostaria, tesão dependendo com quem estou ou do que estou fazendo, e não era igual.

Quem não se permite sentir não se perde, tampouco se encontra no caminho.  É um negócio parado, feito este lago borocochó e bonito que agora vejo. A única vez que  esse sentimento aconteceu foi quando minha avó materna faleceu. Por isso achei estranho...




Eu era criança, tinha uns cinco aninhos. Foi no meio  de uma tarde, mas tive medo de escuro, forte, coisa de criança. Quando fecharam o caixão ... , ..., ... eu não consegui olhar as memórias de uma  breve infância indo pra baixo de uma cova. “Então é assim que acontece com todo mundo? Uma hora a gente fala muito e depois resolve ficar quieto numa caixa de madeira pra sempre? E as pessoas ficam olhando ... porquê?”. Eu em minha inocência, tentando entender o que era um velório, perguntei a um parente qualquer. 

Pode ser preconceito, mas boa parte dos parentes nunca tem uma resposta convincente para os assuntos que locomovem o cotidiano. E você faz aquele sorriso amarelo e social pra disfarçar as piores idiotices que eles dizem, tipo a última moda do cabelo espichado de um certo jogador, o que ele fez, o que deixou de fazer, o último jogo, o que ele disse, super incrível...





O certo parente olhou pra minha cara com dó e não sabia o que me dizer.  Sumi do lado de todos. Eu corri e corri muito dentro do cemitério, desesperada. Fiquei dando voltas, assustada, até encontrar o estacionamento. Achava que aquele escuro iria me pegar e ninguém ia me proteger ali, nem meus pais, nem irmãos, eu ia ter que me defender sozinha, quando este chegasse. Óbvio que depois minha família , já abalada, ficou louca comigo. 

Foi ali que descobri o que são verdadeiros medos humanos. Estranho sentir isso novamente após anos. Estranho lembrar daquele acontecimento. Algo dentro de mim morreu e eu não sei o que é...

Minha avó sempre dizia em palavras, em histórias, e no seu olhar  que a gente não pode fugir das escolhas e fatalidades que acontecem  na vida. Foi uma mulher incrível e ela não sabia disso. Fumava na década de 30, coisa que hoje é meio deselegante, ruim, mas pra uma mulher naquela época era um escândalo, uma rebeldia, depois de anos ela parou. Era vaidosa, adorava batom, assim como eu.


Se apaixonou por um negão, meu avô, e enfrentou a família pra casar com ele, num momento em que o preconceito era muito mais explicito.  Perdeu dois filhos que morreram jovens, meus únicos tios, só restou minha mãe. Ficou doente, perdeu uma perna com gangrena. É, ela enfrentava a barra, mesmo depois que ficou numa cadeira de rodas.


As pessoas que a conheceram dizem que minha personalidade meio forte veio dela. E realmente, confesso que tenho a personalidade meio avessa nos ambientes que transito. Percebi que com o tempo eu tenho tratado muitas coisas que simplesmente não me interessam com indiferença. Deixado todo aquele blá blá blá de hijos de puta que não serve pra nada, comentários e pessoas que não me servem para trás.

“Você deixou de ser uma jovem garota, e se tornou uma jovem mulher.” assim sussurrou a Nona no meu ouvido, no final da tarde. “Eu acho que você está certa...”, respondi a ela em pensamento, com uma leve saudade. 


E  naquele fim de tarde, já caindo a chuva, ela me mostrou que  esse vazio não é estranho. É temer o escuro quando ele vem, é pensar no que fazer com as sombras humanas que temos dentro de nós mesmos e não podemos escapar.




K.C

O Desfecho




O dia parece aberto, mas está tudo fechado. Olho pra rua e só vejo sinais fechados. Corpos fechados. Conversas fechadas na sala de estar. Santo André fechada. Uma merda de transporte fechado. São Paulo fechada pra qualquer coisa nova. A internet está fechada para qualquer coisa nova. Viajar? Quem sabe, mas a droga do guichê estava fechado. Isso só  pode ser uma piada ou então devia ser só mais um fim de noite fechado, ou do mais puro azar... 

Sentei  em um dos nos banquinhos da rodoviária cheirando a Tietê. Gente lendo, correndo pra não perder o ônibus, solitárias com seu MP3, e eu observando tudo feito louca... Me dei conta de que não era o guichê, nem as cidades, nem ninguém,  fechada era eu... fechada pra balanço e nenhum pouco a fim de abrir a porta pra encontrar o óbvio.


- Que você ta fazendo aqui?

- Querendo viajar, sei lá. Quanto tempo, hein... Caramba!

- Pois é. Você sumiu...Vai viajar ainda?

- Não desisti da ideia, acho que não vai adiantar muito na minha chatice, e você?

- Eu  só vim trazer meus pais, eles estavam aqui de passagem. Quer um café?

- Quero.




Sabe aquelas pessoas que marcam sua vida por muito pouco. Por palavras, por uma atitude, ou pelas  duas coisas? Conversamos algumas horas, sobre coisas diversas, lembramos histórias engraçadas, como aquela que a gente se pegou no banheiro. Era uma viagem com amigos, numa casa de campo, todo mundo dormia... Ninguém viu. Ninguém soube... memórias.

Por um instante compartilhamos nossa falta de angustia, e chegamos à conclusão que esse era o problema. Estava tudo normal. E nada do que a gente fizesse naquele conversa deixaria de fazer parte da normalidade. Poderíamos ter saído, bebido, transado, sei lá... faz tempo que a gente não se via. Tínhamos intimidade, amizade, uma ex-paixão de colégio. Estava tarde e ambos irritados com o dia. Tudo a ver,  todos pensariam, mas...

- Vou te levar num lugar.

- Hummmm...

- É impressionante, você muda, cada hora ta de um jeito, mas suas piadas são sempre sexuais...

- Nem sempre, às vezes são taras também.

-  Brincadeira. Gosto do seu humor, chega a ser mal humorado, às vezes...

- Que pleonasmo...Ah, seu prédio? Legal, não é muito óbvio isso?

- Calma. Espera aqui.

Esperei na porta do apartamento.  Ele voltou com o celular carregado de músicas um tanto excêntricas. Não entendi nada.  

-Sobe. E fica de olho na escada pra não cair...


Fiz o sinal da cruz , subimos as escadas de serviço e estávamos no alto do prédio. Vimos o movimento das ruas, dos prédios em volta. O vento batendo no rosto. Era triste saber que no fundo somos apenas pontinhos vagando por ai, no meio de tantos prédios, holofotes. Mas era bonito ver as luzes dos mesmos e o céu estrelado. Bonito, simplesmente bonito.



- Bonito, diferente e melancólico, eu diria. Acho que isso foi a melhor parte do meu dia.

- Ta faltando a ópera...- lembrou, ligando o MP3 do celular.

- Ópera?

- É, eu li alguma coisa sua, você escrevendo  algum lance de ouvir ópera no telhado pra ficar mais calma,  fiquei com aquela ideia na cabeça. Disse pra mim mesmo que ia fazer um dia.

- Eu escrevi isso , em um momento de estresse... legal você ter lido.

- Sempre leio. Mas eu te vi e deu vontade de fazer isso: ouvir ópera no telhado com você.

- Literalmente um telhado,  a gente ta no alto de um prédio de...

- Quatorze andares... Engraçado, a gente parece um pedaço daqui de cima, né...

- Sim. As coisas parecem pedaços...



E foi ali, no alto de um telhado, que me dei conta que um pequeno pedaço de mundo pode fazer um grande desfecho.






K.C

Prosa de Emergência




Chá Mate é dispensável, o Café é urgente. Um bar 

é dispensável,  o convite é urgente. Religião 

é dispensável, Deus é urgente. Uma briga é 

desnecessária, o tapa na cara é urgente. Rancor 

é dispensável, raiva é urgente. Trânsito é 

dispensável, música é urgente. Botão é dispensável,  

camisinha é urgente. Ofensa é dispensável, 

dizer é urgente. A Caras é dispensável, livro 

é  urgente. Estresse é desnecessário. O palavrão é 

sempre urgente. Paixão até pode ser dispensável, 

amar é urgente.  Morrer é inescapável, viver é 

urgente.  





K.C

Antes Que Acabe





Apartamento. Segundo andar. Silêncio. Interfone, telefone, internet, e vizinhos, incrivelmente opacos. Céu cinza. Música. Chuva. Pijama. Que paz! Senti uma paz estranha que não sentia, há um tempo. 

Acho que toda paz é estranha. E toda discussão sobre o que é paz também é estranha, controversa, cultural. E ainda assim, não se pode eliminar a responsabilidade da culpa do que é sentir paz em um mundo caótico.

Dá até superioridade sentir paz, na caoticidade. É filho da puta sentir paz. É o mesmo que ter um "Ai" enquanto todos trabalham. Ser gordo e feliz num SPA, ser capitalista em Cuba. Ter a última Edição rara de Assis... 




Paz é um contra-caminho. Nasceu para ser controversa e ser vivida em um gosto-desgosto. Sempre desconfio que ela não gosta de Réveillon, ao menos, se eu fosse ela, odiaria ser aclamada hipocritamente pelo mundo, antes dos dez segundos. 

Respiro. Sinto-a. Curto-a. E do resto, procuro esquecer. Porque paz é um arem momentâneo e não sei quando vou senti-lo novamente. Logo, é melhor esquecer a culpa, antes que o interfone toque, o síndico apareça e a musiqueta do gás de Beethoven aconteça.  




K.C

Sem Palavras




Centro. Bairro. Avenida. Pessoas passavam. Carros Passavam. Ninguém se olhava. Alguém na multidão. Ela o olhou. Ele a olhou. Ela o seguiu. Ele fugiu. Ela foi embora. Ele a encontrou na rua, no fim do dia. Ela fingiu que não o viu. Ele a achou uma prepotente. Ela queria a noite. Ele  queria blues. Ela o viu no balcão. Ele ignorou. Ela o achou um otário.  Ele se reaproximou. Ela dançava. Ele bebia. Ela se afastou. Ele insistiu. Ela deu brecha. Ele sorriu. Ela o beijou. Ele a puxou.  E ela gostou. Ele foi olfato. Ela foi tato. Ele foi dente. Ela foi unha. Ele foi instinto. Ela sussurro. Ele e ela. Sem palavras. Sem pensamentos, enquanto as pernas tremiam. 




K.C

Babylon


Para Lívia L.




Não preciso de muitos amigos, tampouco quero provar nada pra ninguém, ser simpática o tempo todo, eu nunca fui assim com todos, ah você sabe...desde que uma metida à jornalista estudantil com uma grunge resolveram se intrometer uma na vida da outra.  Aos poucos, deixaram de ser garotas, e se  tornaram duas moças, "peruas", bêbadas e inseparáveis, até na distância. A gente sempre teve desejos, todos diferentes, mas que pareciam ser complicados demais para quem desejava uma vida mais comum, em alguns a gente veadamente se completava... fazer bem o trabalho, procurar paz de espirito ao invés de felicidade comprada... coisas que talvez, poucos entenderiam.  

Nossa amizade sempre foi nossas respectivas paixões: a escrita e a atuação, uma é diferente da outra, mas ao mesmo tempo, elas se precisam... Isso foi claro nos porres, nas crises que não foram poucas, nos choros, nas risadas amargas que demos de quem achamos idiota, nas comemorações de algo legal que acontecia - afinal, tão difícil isso no mundo-, no café quente depois da ressaca...


A principal coisa que aprendi com você é que precisamos sempre ser nós mesmos quando estamos no palco, feliz, acertando na cena, errando na cena, doente, mas sempre no palco, mesmo quando não temos certezas, ah você sabe, eu acho cafona esse negócio de ter certezas, ou melhor, acho a sociedade toda uma coisa chata e cafona, mas bem, estou sendo cafona agora, também, então isso não faz diferença... Acho que não tenho muito o que dizer. Nunca tive raiva de você. Nunca julguei você, tampouco vou julgar. Eu nunca vou deixar de olhar por você, certo, esse povo que fica dizendo "nunca" demais é um bando de mentiroso, você precisa desconfiar sempre deles, viu?  Droga. Mas, dessa vez foi sério. O fato é que hoje outras coisas são precisas, tanto para mim, quanto para você...



Preciso de pessoas que entendam minha timidez, que entendam o meu silêncio,  minha tendência a ser bipolar , de uma hora estar rindo, outra hora estar chorando, outra hora as duas coisas, que entendam meus pitis de ir embora, sem dar explicação, só porque tive vontade, que entendam as minhas loucuras, que entendam quando eu não quero estar louca, quando eu não quero conversar, quando quero estar só, que não queiram me transformar em algo que nunca fui. 




Como era bom quando você entendia o meu silêncio. Como era bom quando você era a amizade que eu precisava, a que me entendia, a que muitas vezes me bastava... mas crescemos, mudamos, não lhe culpo por isso. Como sempre digo, "a vida nada mais é que movimento", não o movimento do que pensamos que somos, mas do que  hoje estamos sendo e do que amanhã talvez seremos. 


K.C

Essa Coisinha dos Diabos




Os poetas vivem dizendo a dor, a saudade...

Esta, de beleza, nada tem.

É pior que não ter com quem conversar num dia só. 

É pior que chorar, é conter o verbo dentro de si estranhamente.

Pior que a ansiedade de não ter alguém que se sabe que existe.

Pior que pensar em valores, morais, ética.

Pior que irritação, filas, contas pra pagar...

Pior que um mal humor...um beijo não dado...uma broxada...

Um baita calor filho da puta...

Pior que um amor não concretizado, uma briga, um tapa na cara...

De tudo isto, a natureza do tempo se encarrega de esvaziar, na maluquice da sua pressa...

A saudade, não.

K.C

Último solo à luz do dia


Fim de noite.Prédios trancados, baladas fechando, gente brigando, a homofobia gritando, pessoas indo embora, carros passando. Um homem fazendo malabarismos, um maluco  falando sozinho, reclamando da vida, passando pela rua... Uma outra maluca de terno, e com jeito de atrasada.  "Seu filho da puta, vai se ferrar!", num farol. Os comerciantes montando suas barracas, embaixo do MASP para mais um dia de trabalho.  Abre o metrô e  ônibus buzinam. 



Sento na escada que os mendigos já não ocupavam mais, e olho para o céu cinza e suas nuvens encobertas, na tão confusa, encantatória cidade chuvosa. A garoa caia em meus ombros não tão largos, molhava meus óculos escuros, mas nada importava a não ser os ruídos do sax que ouvia . De onde será isto? pensei, enquanto olhava os rápidos passos das pessoas e foleava os livros, numa das milhares bancas de jornais. Sai e dei de cara com o último belo solo de jazz do saxofonista ... foi simples: amanheceu em São Paulo.




K.C

O Gosto da Espontaneidade



Outro dia, ouvindo músicas, dessas que adoramos quando crianças, mas que, quando somos possuídos pela seriedade do incrível mundinho adulto, achamos trashs, feias, sem sentido ou qualquer coisa do gênero, lembrei-me da minha infância.



Para quem viveu a infância nos anos noventa, deve se lembrar bem da época da turma do “Castelo RA TIM BUM” - Nino e Cia; o “RA TIM BUM” - do Professor Tibúrcio e suas aulas, as melhores da vida, de dois minutos, tão queridas; daquela novelinha/seriado “Chiquititas”, e a febre dos axés que se dançava, pulava feito doido, sem se importar com estilos musicais. Era o “É o Tchan” , a “Dança da cordinha”, o “ Arigathan”, o “Tchan no Hawai”, estranho era a criança que não aderisse àquela maldita febre. Tudo era tchan.

Hoje isso soa engraçado, pois são músicas que na minha cabeça, não dizem coisas com coisas, são todas horríveis, porém na época em que tudo isto foi o auge, não pensava nem mesmo no tal “E daí?”. Num ápice de espontaneidade, que no fundo toda criança possui, eu dançava e pronto, simples assim... enfim, faz parte dessas fases que construímos e desmontamos. É como aquelas frases feitas que vivem circulando no nosso dia a dia “as coisas mudam”, e de fato, é verdade...



Crescemos rápido demais, como mamãe diz, não tanto como a velocidade da luz, mas crescemos, e quando percebemos, já nos condicionamos à colocação social do mundo adulto: a seriedade em pessoa, por vezes sisudos até demais. Na medida em que crescemos, é recorrente criarmos sensos crítico e popular para certas coisas. O bom e o ruim tornam-se, então, questão de escolha, mas a sociedade vai impondo como ela quer que todos sejam: adultos normais.


Na prática, sabemos que a normalidade não existe, mas a imposição, muitas vezes, é bem mais veloz que o pensar ou não pensar que algo exista, e ai reprimimos a espontaneidade de criança, ou então ela nem vive o seu momento “alá menudo” do “não se reprima”- opa, isso é anos oitenta - e vai morrendo aos pouquinhos, é certo que, às vezes ela, sufocada, pode aparecer em algum momento, cantarolando em meio a uma embriaguês, e ainda assim não é a mesma, aquela que sentimos na infância.

A espontaneidade adulta, se é que ela existe, dura somente algumas horinhas, acaba com “o bolso” nas festas, é ruim no dia seguinte, dói a cabeça, dá muita sede e gera outras reações no organismo que é desnecessário detalhar. No fundo, é uma “espontaneidade” falsa, que não existe, ela só tenta existir para se esconder de problemas diversos, ou extravasar um pouco a turbulência desse mundo adulto em que se vive...



Mas afinal, e o “ É o Tchan”? , como toda boa febre, o grupo viveu seus trinta e nove graus no termômetro, passou para dezoito, treze...cinco... um e meio e... hoje, Graças a Deus, a Buda, à Shivaya e a Satanás, pouco se sabe em qual temperatura estão...




Ah , claro, hoje não danço, tampouco escuto, o ouvido já não permite mais, já se habituou a ouvir outras coisas , de Beatles à Ray Charles, estes que tanto tomam os sentidos da minha audição...
Para os meus amigos também, ao menos a maioria, essa fase passou, mas aquela naturalidade, para bem ou para mal, ficou guardadinha nas nossas memórias de crianças espontâneas que fomos; hoje crianças gigantes, nem tão espontâneas assim...

K.C