Um Certo Anjo Pornográfico

Eu não vim do além, mas confesso que vim de longe. Não é um lugar horrível de dar nojo, mas não se compara à Copacabana, ah... Copacabana! Às vezes, fico vagando nela, observando a condição da nossa ignorância. Muitas coisas vivem na escapável tendência de continuar igual, outras não, eu deveria ter deixado minha adorável visita para outro momento e não no dia do Réveillon de Copacabana, ainda bem que estou invisível. Mas já que cá estou, nada melhor que dar uma volta e lembrar meus momentos por ela...

 

Você deve estar pensando quem eu sou, já que  não me apresentei . Do jeito que o Brasil anda, é bem capaz de eu ter que  relembrar este fato, não que eu me ache importante, mas a literatura e a dramaturgia me condenaram a esse legado.

Eu comecei escrevendo teatro, nos anos 40, e eu tinha um intuito. Meu intuito era provocar. Não importa o que, polêmica, impacto, indignação...queria mostrar que nem tudo é o que é, e que nem sempre um vestido de noiva  é o que parece. Depois disso, foi batata, virei escritor, e fui escrever no Jornal Última Hora. Fiquei lá por um bom período, nos anos 60, e depois parti novamente para a minha amarga dramaturgia.

Eu era um apaixonado por futebol, coisas da vida, dilemas morais, e escrevia muito sobre isso, mas meu pivozinho preferido mesmo, eram as mulheres... essas sim, são uma materialidade e tanto, ah como elas gostam de apanhar, ah como muitas vezes elas são cabras vadias, como elas são engraçadinhas em meio ao seu veneno, são noivas, safadinhas, infiéis ou miseráveis, estão na lotação, ou na igreja destilando o seu pecado, elas tem um jeito único de mostrar a nós homens, frágeis e hipócritas, a vida como ela é.

Meu sarcasmo já incomodou muitas delas, mas eu tinha o meu charme, eu sabia como e gostava de provocá-las pelas ruas, pelas praias do Rio de Janeiro. Provocar a diferença sempre foi um dos meus focos favoritos, afinal, partilho a ideia de que toda unanimidade é burra.

 Nossa pátria sem chuteiras mudou, agora ela é governada por uma mulher que gosta de apanhar também, pelo jeito, e ainda não usou o seu chicotinho como se deve ... o mundo mudou demais, os peitinhos das engraçadinhas não continuam os mesmos,  estão mais siliconados, mas certas coisas não mudaram: as pessoas continuam de branco, esperando por supremas felicidades no Ano Novo, enfim, os meros costumes... as  noites cariocas, apesar dos assaltos, continuam agitadas. Os dilemas que eu sempre odiei continuam irritantemente presentes, inveja, caos, obsessão, discórdias, não mudaram, o corno, é claro, este é como o casamento: não muda nunca, e eu também não mudei, pois para bem ou para mal, ainda sou Nelson Rodrigues.

 

K.C